Ambiente regulatório experimental e incentivos públicos: hidrogênio verde na transição energética
22 de dezembro de 2024, 15h20
Novas temáticas regulatórias advêm das recentes movimentações legislativas a respeito da adaptação da matriz energética no Brasil para exigir soluções estruturadas e consensuais na interação entre agentes econômicos e Poder Público. A “transição energética” ganhou força no campo político, econômico e jurídico e, para além da expressão da vez, destaca-se como um dos principais objetivos da política pública no setor de energia, de modo a incentivar empreendimentos que demandam novas práticas institucionais para balizamento.

Nesse contexto, a prática do sandbox regulatório [1] possibilita a construção de ambientes normativos peculiares e propícios ao desenvolvimento de novas tecnologias e outras práticas produtivas inovadoras. Possibilita-se, por esse instrumento, a criação de regimes regulatórios especiais, a suspensão da aplicação de sanções e mesmo a dispensa da observância de algumas regras, na proporção da necessidade para o desenvolvimento da inovação.
O setor de energia se mostra profícuo às práticas de testes produtivos de inovação e da respectiva tessitura regulatória que lhe subjaz. São crescentes as exigências por soluções inovadoras que se relacionam a fontes renováveis e a maior eficiência energética. O caso do hidrogênio de baixo carbono, ou hidrogênio verde, exprime as tendências setoriais e a demanda da cadeia produtiva propostas para o desenvolvimento da inovação, assim como inputs regulatórios que se adéquem às novas operações envolvidas.
A Política Nacional do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono exemplifica e atualiza os esforços nacionais de transição energética, na medida em que se vale de inovações regulatórias para fomentar os projetos nela compreendidos em sinergia com setores econômicos mais propícios para tanto.
Fomentar a cadeia para fabricação de hidrogênio verde
Instituída pela Lei nº 14.948 de 2 de agosto de 2024, a política estabelece, entre seus objetivos, fomentar a cadeia nacional de suprimento de insumos e de equipamentos para fabricação do hidrogênio de baixa emissão de carbono, estimular a celebração de parcerias público-privadas para desenvolvimento de projetos de hidrogênio de baixa emissão de carbono e fomentar o desenvolvimento da produção nacional de fertilizantes nitrogenados provenientes do hidrogênio de baixa emissão de carbono, com o objetivo de reduzir a dependência externa e de garantir a segurança alimentar (incisos XVIII a XX, do artigo 3º, da Lei nº 14.948/2024).
Na consecução das metas, articulam-se órgãos da istração pública federal, estadual, distrital e municipal, que tenham competências correlatas para tanto, assim como o Conselho Nacional de Políticas Energéticas, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, e entidades credenciadoras e certificadoras da produção do elemento em consonância com as diretrizes da Política Nacional do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono. Entre os instrumentos previstos pela nova lei, estão os incentivos fiscais e creditícios e a cooperação técnica e financeira entre os setores público e privado.
Como toda a implementação dos objetivos e instrumentos instituídos pela lei dependem de regulação infralegal, os projetos que venham a se desenvolver em compatibilidade com a nova política poderão ser autorizados mediante sandbox regulatório a ser adotado como solução individual pela própria ANP [2], a teor do artigo 12 e seu parágrafo único da Lei nº 14.948/2024. Tem-se em referido instrumento uma excelente oportunidade para o aporte de inovação nas práticas regulatórias, para além do atendimento personalizado e voltado às necessidades próprias dos empreendimentos pioneiros na produção do hidrogênio de baixo carbono, incluindo o hidrogênio renovável e o hidrogênio verde.
Marco Legal do Hidrogênio Verde
O Marco Legal do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono instituiu o Regime Especial de Incentivos para a Produção de Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (Rehidro), que confere benefícios fiscais a seus habilitados. Posteriormente, foi sancionada a Lei nº 14.990, de 27 de setembro de 2024, que instituiu o Programa de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono. Um dos objetivos do programa é aplicar incentivos para descarbonização com o uso de hidrogênio de baixa emissão de carbono nos setores de difícil descarbonização, como o de fertilizantes e o químico. Foram previstos mais de R$ 18 bilhões em créditos fiscais de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido para os projetos a serem selecionados a partir de procedimento concorrencial.

Para além dos benefícios tributários, prevê-se a injeção massiva de investimentos públicos por meio de linhas de financiamento específicas a partir de 2025 para o investimento em geração de energia do hidrogênio de baixo carbono. Atualmente, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) já dispõe de linhas de apoio para projetos de hidrogênio de baixo carbono. As inovações implementadas por meio da atenuação regulatória em ambiente de sandbox devem contribuir para o alcance dos projetos nacionais de renovação da matriz energética, o que viabiliza projetos em escala industrial.
Destaque-se a posição privilegiada do agronegócio em sua relação com a Política Nacional do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono, que, expressamente, tem por objetivo reduzir a dependência da importação de fertilizantes nitrogenados. Como esclarece matéria divulgada no Portal da Embrapa, atualmente o Brasil importa cerca de 90% de referidos insumos agrícolas, os quais dependem, para serem produzidos, do componente molecular resultante da eletrólise do hidrogênio — justamente o processo implicado no hidrogênio de baixa emissão de carbono. Infere-se que a matéria-prima pode ser obtida a partir energia renovável oriunda de biomassa e biocombustíveis.
Projetos alinhados à transição energética
A formulação de projetos que demonstrem a inovação dos sistemas de geração e distribuição, assim como a implementação de projetos alinhados à transição energética, pode ser realizada, sobretudo, pelas seguintes vias principais:
- Manifestação de interesse perante a agência reguladora, para obtenção de autorização vinculada às práticas que careçam de regulamentação e dependam da supressão de certas exigências e de punições correlatas;
- Aderência a editais de chamamento público lançados pelas agências ou bancos públicos (como o próprio BNDES), para fins de financiamento ou autorização e implementação de práticas inovadoras nas esferas regulatória e tecnológica;
- Estruturação de projetos, em linha com a Política Nacional do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono e seu Programa de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono, para a obtenção de subsídios fiscais e cooperação tecnológica e creditícia.
Atualmente, ante a incipiência do quadro regulatório, o desenvolvimento dos projetos deve se dar, prioritariamente, no ambiente experimental do sandbox regulatório, em linha com o tópico “1”, enunciado acima.
Em suma, o cenário atual reúne condições singulares para o impulsionamento de novos projetos na área da energia limpa, sobretudo pela dinâmica regulatória que prestigia a inovação e a sustentabilidade ambiental. A vantagem competitiva dos agentes econômicos reside, justamente, na identificação de tais oportunidades, desde que sustentada pela base jurídica que corresponda à complexidade e à criatividade, ao lado da segurança e eficiência, que o processo demanda.
[1] Nos termos da Lei Complementar 182/2021, em seu art. 2º, inciso II, o sandbox regulatório ou ambiente regulatório experimental define-se como o “conjunto de condições especiais simplificadas para que as pessoas jurídicas participantes possam receber autorização temporária dos órgãos ou das entidades com competência de regulamentação setorial para desenvolver modelos de negócios inovadores e testar técnicas e tecnologias experimentais, mediante o cumprimento de critérios e de limites previamente estabelecidos pelo órgão ou entidade reguladora e por meio de procedimento facilitado”.
[2] A Lei n.º 14.948/2024 promoveu alterações na Lei n.º 9.478/1997 em matérias atinentes ao hidrogênio de baixa emissão de carbono e às atribuições da ANP.
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