Licitações e Contratos

Cláusula de retomada: seguradora não é contratada substituta

Autor

  • é sócio de Jonas Lima Advocacia especialista em Direito Público pelo IDP especialista em compliance regulatório pela Universidade da Pensilvânia ex-assessor da Presidência da República (CGU).

    Ver todos os posts

19 de maio de 2025, 11h17

Este texto é uma continuidade da discussão iniciada no artigo anterior, publicado nesta ConJur em 5 de maio de 2025 (Mudanças necessárias na cláusula de retomada do seguro garantia), sobre aspectos importantes da cláusula de retomada no seguro garantia em contratos de obras públicas.

O advento da cláusula de retomada no seguro garantia, estabelecido pelos artigos 99 e 102 da Lei nº 14.133/2021, representa um avanço contra obras inacabadas, tem inspiração no modelo norte-americano definido pelo Miller Act, com as atualizações advindas do Federal Acquisition Regulation (FAR), mas há nuances jurídicas importantes para reflexão, sobretudo quanto às responsabilidades da seguradora, que não assume o papel de uma contratada substituta.

Seguradora: papel específico e não substitutivo

A Lei nº 14.133/21 não qualificou a seguradora como uma “contratada” substituta, sendo essa questão jurídica fundamental, pois, ao contrário de uma contratada, a seguradora não participa do procedimento licitatório e nem é a contratada, nos estritos termos da lei. Assim, ela não pode ser submetida ao regime de sanções formado pelos artigos 155 e 156 da Lei nº 14.133/21, com a advertência, a multa, o impedimento de licitar e contratar e a declaração de inidoneidade para licitar ou contratar, penalidades reservadas, exclusivamente, a licitantes e contratados originários.

A propósito, a experiência norte-americana, de décadas de aplicação da cláusula de retomada, demonstra que as seguradoras (sureties) atuam no cenário das garantias, de performance bond e de payment bond, e não incorrem em penalidades istrativas aplicáveis ao contratado original inadimplente. As obrigações das seguradoras são financeiras e/ou operacionais, nos termos da apólice e do edital de origem da contratação.

Obrigações precisamente delimitadas

No cenário jurídico brasileiro, como se depreende dos artigos 99 e 102 da Lei nº 14.133/2021, a seguradora não pode ser equiparada a contratada substituta, pois sua atuação é delimitada por dois elementos essenciais:

Spacca

1) Cláusulas da apólice: A apólice do seguro garantia delimita com precisão as responsabilidades financeiras e operacionais da seguradora, sem espaço para expansões interpretativas que possam trazer encargos típicos de uma empresa contratada originária; e

2) Previsões do edital: O edital da licitação detalha com precisão as obrigações que recaem sobre a seguradora em caso de acionamento da cláusula de retomada, protegendo-a contra sanções incoerentes com as suas responsabilidades pactuadas.

Judicialização sob ótica específica

Qualquer litígio decorrente do exercício da cláusula de retomada não insere a seguradora no contexto de penalidades istrativas comuns aos contratos istrativos. Em outras palavras, a resolução de litígios istrativos ou judiciais se dará exclusivamente no campo das responsabilidades contratuais dos termos da apólice, de modo que eventual decisão judicial tratará de danos financeiros ou obrigações operacionais não cumpridas (responsabilidade civil). A seguradora pode, de fato, pagar indenizações à istração Pública ou financiar a conclusão das obras, mas isso ocorre sem que sobre ela recaiam sanções istrativas típicas do contratado original.

Aspectos adicionais de segurança jurídica

Em face do princípio da segurança jurídica, previsto no artigo 5º da Lei nº 14.133/21, deve-se considerar de modo correto o papel atribuído à seguradora na cláusula de retomada. O caráter limitado e específico de suas obrigações protege não apenas a seguradora, mas resguarda o interesse público, garantindo eficiência e segurança na execução e conclusão de obras.

Assim, evitar interpretações extensivas e equivocadas contribui para a eficiência econômica e segurança jurídica, essenciais ao Direito istrativo contemporâneo, até porque, se qualquer seguradora identificasse no edital da licitação que estaria sujeita às sanções da contratada (que se transformaria em uma contratada, literalmente), ela não aceitaria entrar no projeto como “seguradora”.

Conclusão: cada empresa no seu lugar

Portanto, a seguradora atua sob condições jurídicas limitadas e específicas, claramente distintas do regime aplicável ao contratado original inadimplente. Tal distinção é imprescindível para preservar a segurança jurídica e manter coerência com práticas internacionais testadas e aprovadas, garantindo, assim, eficiência e proteção ao interesse público nas obras e evitando o afastamento das seguradoras (brasileiras ou estrangeiras) dos projetos dessas obras na nova realidade advinda da Lei nº 14.133/21.

Autores

  • é advogado, sócio de Jonas Lima Sociedade de Advocacia, ex-assessor da Presidência da República, especialista em Direito Público pelo IDP e Compliance Regulatório pela Universidade da Pensilvânia e autor de cinco livros, incluindo "Licitação Pública Internacional no Brasil".

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!