Opinião

Arbitrabilidade objetiva dos honorários de sucumbência na tutela cautelar

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  • é mestranda em Direito Processual pela Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). LL.M (Master of Laws) pela New York University School of Law (NYU Law). Graduada em Direito pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Membro da Comissão de Arbitragem da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional do Rio de Janeiro (OAB/RJ). Advogada associada do escritório Salomão Advogados.

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  • é advogado e sócio do escritório Sergio Bermudes Advogados.

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20 de maio de 2025, 11h20

Tutela cautelar pré-arbitral: considerações introdutórias

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É notória, além de provada pela experiência prática, a utilidade da arbitragem como ferramenta heterocompositiva de lides sobre direitos patrimoniais disponíveis. Não seria irresponsável afirmar que, hoje, é a via preferida em contratos entre empresários, que confiam o julgamento de possíveis lides ao exame de órgão arbitral individual ou colegiado, indicado pelas partes com vistas à sua especialização técnica, maleabilidade procedimental e a possibilidade de submetê-la ao manto da confidencialidade.

Enquanto essa é uma indisputável verdade, também é fato que nenhum sistema de prestação jurisdicional é isento de limitações. E a arbitragem, com todas as suas vantagens quando bem aplicada, é exemplo disso.

No caso da arbitragem, uma dessas possíveis limitações é o decurso de tempo desde o pedido da sua instauração e a instituição do tribunal arbitral, fruto do inevitável período em que se sucedem o requerimento de arbitragem, a resposta a este, a indicação e a avaliação da independência e imparcialidade dos árbitros e, enfim, a celebração do compromisso arbitral, com a previsão da prática dos atos processuais subsequentes.

Entra em cena, nesse contexto, a tutela cautelar pré-arbitral, prevista e em amplos termos disciplinada nos artigos 22-A e 22-B da Lei nº 9.307/96. Esta pode ser apresentada ao Poder Judiciário em caráter de urgência, voltada à obtenção de tutela sumária a respeito de matéria cujo mérito será julgado não pelo juiz togado, mas sim pelo tribunal arbitral ainda não constituído, na forma da convenção de arbitragem pactuada.

Trata-se de tutela provisória antecedente com marco peculiar para extinguir-se — não só pelo trânsito em julgado de sentença definitiva (comum a todo e qualquer processo judicial), mas também, e com maior frequência na prática, pela instituição da arbitragem, quando concluída a constituição do juízo arbitral (Lei nº 9.307/96, artigo 19).

Constituído o tribunal arbitral, a este a revestir-se da jurisdição para decidir a totalidade da lide — inclusive reexaminar eventual tutela provisória previamente concedida por autoridade judiciária (Lei nº 9.307/96, artigo 22-B).

O surgimento da jurisdição arbitral faz cessar a jurisdição precária, exercida por motivos de urgência, da autoridade judiciária. A tutela cautelar pré-arbitral, assim, perde a sua razão de ser, e a a ter seu objeto abrangido pela arbitragem então instaurada.

A reforçar a efemeridade da tutela cautelar pré-arbitral, o legislador exige da parte autora requerer a instauração da arbitragem em que se discutirá o mérito da lide em até 30 dias contados da efetivação da medida liminar, sob pena de cessação de seus efeitos (Lei 9.307/96, artigo 22-A, parágrafo único).

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Naturalmente, os impactos operados na tutela cautelar pré-arbitral com a instituição da arbitragem não se restringem a realocar o poder jurisdicional exercido sobre a lide da autoridade judiciária para o tribunal arbitral. Há, também, alteração da normativa aplicável à parcela da lide que fora, anteriormente, abrangida no processo de tutela provisória, antes regida pelas regras e princípios do Código de Processo Civil, e, agora, disciplinada pela Lei de Arbitragem.

Honorários sucumbenciais na tutela cautelar pré-arbitral

Um dos pontos que a prática tem revelado como de maior complexidade é a alocação do poder jurisdicional — se à autoridade judiciária ou ao tribunal arbitral — para decidir sobre os honorários advocatícios devidos pela parte sucumbente ao patrono da parte vencedora no processo de tutela cautelar, verba definida na sentença que julga a demanda (C, artigo 85, caput).

A questão conta com posicionamento da 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça no Conflito de Competência (CC) 165.678/SP, em que, por unanimidade, conforme o voto de relatoria da ministra Maria Isabel Gallotti, decidiu-se que “[o]s honorários de sucumbência somente se incorporam ao patrimônio do advogado após o trânsito em julgado da decisão que os fixou, o que não ocorreu na espécie em que pendente de julgamento da apelação, cujo exame foi transferido para o Tribunal Arbitral, reconhecido como competente por ambas as partes para o exame do mérito da causa” [1].

Inconteste tal posição servir de valioso norte para dirimir a questão sobre quem há de decidir sobre a condenação em honorários sucumbência, novas e recentes decisões judiciais vêm ampliando a jurisprudência sobre o assunto em distintas direções, conforme as particularidades de cada caso concreto.

Surgem, nesse contexto, posições pela impossibilidade da fixação de honorários sucumbenciais em tutela cautelar pré-arbitral, porque (1) a instauração da arbitragem atrai a jurisdição exclusiva da lide para o juízo arbitral, no que se inclui a fixação daqueles valores; e (2) a tutela cautelar pré-arbitral seria uma medida estritamente cautelar, na qual não caberia a fixação de tais honorários.

Já para a parcela que entende ser possível a fixação daquela verba em sede de tutela cautelar pré-arbitral, assume relevância central na discussão a natureza alimentar desses honorários, que, poder-se-ia sustentar, afastaria a arbitrabilidade objetiva sobre essa prestação, por extirpar a disponibilidade do direito.

Honorários de sucumbência na tutela cautelar pré-arbitral podem ser fixados em arbitragem?

 Conforme o artigo 1º da Lei 9.307/96, as matérias íveis de ser julgadas em arbitragem são aquelas sobre direitos patrimoniais (i.e., íveis de valoração econômica) e disponíveis (i.e., suscetíveis de disposição negocial). Esta limitação, basilar ao instituto, é denominada, na literatura, arbitrabilidade objetiva [2].

Tomada como premissa a jurisdição do tribunal arbitral para decidir sobre os honorários de sucumbência na tutela cautelar pré-arbitral (em linha com a posição da 2ª Seção do STJ no já citado CC 165.078/SP), surge, nesse contexto, a questão sobre se essa verba, conquanto de natureza inequivocamente patrimonial, qualifica-se como direito disponível para fins de satisfazer o critério da arbitrabilidade objetiva.

É aí que se insere a problemática da já mencionada natureza alimentar dos honorários de sucumbência (C, artigo 85, § 14), a transmitir a valorização, pelo ordenamento jurídico, dessa remuneração como relevante ao sustento do advogado.

Contudo, ainda que tal natureza alimentar pudesse suscitar preocupações quanto à sua disponibilidade, esta última característica, além de confirmada em doutrina [3], é reconhecida aos honorários sucumbenciais na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Este entendeu, na ADI 1.194-4, entre outros, pela inconstitucionalidade do artigo 24, § 3º da Lei 8.906/94, que dispunha ser “nula qualquer disposição, cláusula, regulamento ou convenção individual ou coletiva que retire do advogado o direito ao recebimento dos honorários de sucumbência”.

Outro indício da convivência harmônica entre a relevância alimentar e a disponibilidade dos honorários de sucumbência é a possibilidade, confirmada na jurisprudência, de renúncia desta remuneração pelo advogado atuante na causa. Nesse sentido o julgamento da Apelação 0210603-77.2022.8.19.0001, pela 12ª Câmara de Direito Privado do TJ-RJ [4], caso de transação celebrada pelas partes com a anuência dos patronos atuantes na causa.

O fato de a renunciabilidade dos honorários de sucumbência ser indicativa da natureza disponível desse direito é apontado também pela 1ª Turma do STJ, na fundamentação do voto de relatoria do ministro Benedito Gonçalves no RMS 45.390/BA, a consignar que “os honorários advocatícios a título de sucumbência são renunciáveis”, caracterizando-se, portanto, “como direito disponível[5].

A questão, portanto, parece superada: em que pese a sua relevância alimentar, o direito aos honorários de sucumbência de prestação é de natureza inequivocamente patrimonial e disponível — e, assim, dotada da arbitrabilidade objetiva necessária à sua apreciação pelo juízo arbitral.

Breve conclusão (e cenas dos próximos capítulos)

A breve análise aqui empreendida permite concluir pela arbitrabilidade objetiva dos honorários de sucumbência, visto se tratar de prestação patrimonial, e, em que pese a sua natureza alimentar, também disponível.

A relativa clareza com que se permite constatar tal arbitrabilidade objetiva, contudo, não parece se aplicar à arbitrabilidade subjetiva — isto é, os limites ao exercício da jurisdição arbitral do ponto de vista das partes celebrantes, ou de alguma outra forma vinculadas, à convenção de arbitragem. Isso, sobretudo, em hipótese de os advogados atuantes no processo cautelar pré-arbitral não ser os mesmos a atuar na arbitragem.

Resta, portanto, examinar se os advogados, por excelência não signatários da convenção de arbitragem, a ela se vinculam em alguma medida [6] para fins da eventual fixação, pelo tribunal arbitral, dos honorários de sucumbência — e, em caso positivo, quais são as consequências processuais no caso de distinção entre os patronos atuantes naquela primeira etapa e nesta última. Mas isso, em última análise, é tema para um segundo (e muito necessário) estudo.

 


[1] STJ, CC nº 165.678/SP, rel. Min. Maria Isabel Gallotti, 2ª Seção, j. 14/10/20.

[2] SPERANDIO, Felipe Vollbrecht. Convenção de arbitragem. In: LEVY, Daniel; PEREIRA, Guilherme Setoguti J. (coords.). Curso de arbitragem. 2ª ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 103); e DINAMARCO, Cândido Rangel. O processo arbitral. 2ª ed. Curitiba: Editora Direito Contemporâneo, 2022, p. 88.

[3] LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Comentários ao Código de Processo Civil, vol II, 2ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 134.

[4] TJ-RJ, AC 0210603-77.2022.8.19.0001, Des. José Carlos Paes, j. 03/08/23, 12ª Câmara de Direito Privado.

[5] STJ. RMS 45.390/BA, rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª Turma, j. 22/11/16.

[6] Nesse sentido, CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário à Lei nº 9.307/96. 4ª ed. Barueri: Atlas, 2023, p. 106.

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