A tributação da produção de sementes: antes e depois da reforma tributária
14 de março de 2025, 8h00
1. A produção de sementes e aspectos gerais
A produção de sementes envolve diversas etapas e procedimentos, sendo uma atividade regulada pela Lei nº 10.711/2003, que “Dispõe sobre o Sistema Nacional de Sementes e Mudas e dá outras providências”.
Segundo dispõe o artigo 1º de referida legislação, esta tem por objetivo “garantir a identidade e a qualidade do material de multiplicação e de reprodução vegetal produzido, comercializado e utilizado em todo o território nacional”.
A lei está estruturada em 14 capítulos, com 52 artigos, divididos da seguinte forma: Capítulo I – Disposições Preliminares; Capítulo II – Do Sistema Nacional de Sementes e Mudas; Capítulo III – Do Registro Nacional de Sementes e Mudas; IV – Do Registro Nacional de Cultivares; V – Da Produção e da Certificação; VI – Da Analise das Sementes e de Mudas; VII – Do Comércio Interno; VIII – Do Comércio Internacional; IX – Da Utilização; X – Da Fiscalização; XI – Das Comissões de Sementes e Mudas; XII – Das Proibições; XIII – Das Medidas Cautelares e das Penalidades; XIV – Disposições Finais.
Por sua vez, o regulamento em vigor é o Decreto nº 10.586/2020, o qual “regulamenta a Lei nº 10.711, de 5 de agosto de 2003, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Sementes e Mudas – SNSM”, dando aplicabilidade à referida lei.
No mais, podemos ainda mencionar a Portaria Mapa nº 538, de 20 de dezembro de 2022, a qual “Estabelece as normas para a produção, a certificação, a responsabilidade técnica, o beneficiamento, a reembalagem, o armazenamento, a amostragem, a análise, a comercialização e a utilização de sementes”.
Referida legislação traz diversas especificações e conceitos técnicos, cabendo destacar o artigo 2º, inciso XXXVIII, que esclarece ser a semente “material de reprodução vegetal de qualquer gênero, espécie ou cultivar, proveniente de reprodução sexuada ou assexuada, que tenha finalidade específica de semeadura”.
O processo de produção de sementes é complexo, uma vez que exige a inscrição no Renasem [1] e também dos campos no Mapa [2], além de processos de certificação, conforme categorias, sem contar ainda beneficiamento e comercialização.
2. Tributação atual da produção de sementes
Sob a perspectiva tributária, o processo de produção de sementes, por ser tratar de um importante insumo da cadeia do agronegócio, recebe, por obvio, tratamento tributário favorecido e diferenciado [3].
Com relação ao Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), a legislação, apesar do complexo processo produtivo e beneficiamento existente, reconhece, em geral, que as sementes – para semeadura – são produtos do reino vegetal sem efetiva industrialização, razão pela qual estão na Tabela de Incidência do IPI (Tipi) como “NT” (não tributado).
De outro lado, ainda quanto aos tributos federais, temos as contribuições sociais da União – PIS/Cofins – que são exigidas das pessoas jurídicas em relação ao faturamento ou receita bruta auferida (artigo 149; artigo 195, CF).
Apesar de, em geral, as operações que geram auferimento de faturamento ou receita bruta causarem a tributação de PIS/Cofins, no caso da produção de sementes, a legislação traz um regramento específico, mais especificamente o artigo 1º, III, da Lei nº 10.925/2004, que enuncia:
“Art. 1º Ficam reduzidas a 0 (zero) as alíquotas da contribuição para o PIS/PASEP e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS incidentes na importação e sobre a receita bruta de venda no mercado interno de: (Vigência) (Vide Decreto nº 5.630, de 2005)
(…)
III – sementes e mudas destinadas à semeadura e plantio, em conformidade com o disposto na Lei nº 10.711, de 5 de agosto de 2003, e produtos de natureza biológica utilizados em sua produção” [4].
Referida Lei, portanto, exonera a tributação de PIS/Cofins – alíquota zero – quanto à receita bruta ou faturamento auferido na venda no mercado interno ou importação de sementes e produtos de natureza biológica, desde que respeitados os ditames da Lei nº 10.711/2003. Buscou, evidentemente, o legislador exonerar a cadeia de produção agropecuária, reduzindo a carga fiscal deste relevante insumo.
Ademais, além da alíquota zero para PIS/Cofins, no caso de contribuintes no regime não cumulativo, a legislação autoriza a manutenção dos créditos da não cumulatividade, podendo ser objeto de ressarcimento e/ou compensação com outros tributos federais [5].
Por sua vez, quanto às contribuições previdenciárias, seguindo no objetivo de exonerar a cadeia produtiva, por completo, há previsão no artigo 25, § 12, da Lei nº 8.212/91 – produtor rural pessoa física – [6], impedindo a tributação da contribuição previdenciária sobre a receita bruta – Funrural –, na comercialização do produto rural – semente – para as etapas posteriores:
“§ 12. Não integra a base de cálculo da contribuição de que trata o caput deste artigo a produção rural destinada ao plantio ou reflorestamento, nem o produto animal destinado à reprodução ou criação pecuária ou granjeira e à utilização como cobaia para fins de pesquisas científicas, quando vendido pelo próprio produtor e por quem a utilize diretamente com essas finalidades e, no caso de produto vegetal, por pessoa ou entidade registrada no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento que se dedique ao comércio de sementes e mudas no País. (Incluído pela Lei nº 13.606, de 2018) (Produção de efeito)”
Deste modo, para o produtor rural – pessoa física ou jurídica – optante pela tributação das contribuições previdenciárias sobre a receita bruta (Funrural), há expressa previsão legal para exclusão da base de cálculo aquela decorrente da produção de sementes, inclusive, impedindo-se os adquirentes de realizar a retenção a título de sub-rogação (artigo 30, IV, da Lei nº 8.212/91).
Por fim, cabe trazer a tributação estadual relacionada ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) – artigo 155, II, CF. Em geral, os produtores rurais – pessoa física ou jurídica – são contribuintes de referido imposto estadual ao realizar a comercialização de produtos agropecuários.
Todavia, permitindo o tratamento diferenciado e favorecido voltado à cadeia do agronegócio, temos o artigo 155, XII, “g”, que autorizou Lei Complementar a regular a concessão de incentivos fiscais a título de ICMS. Sendo assim, com fundamento na Lei Complementar nº 24/75, houve a aprovação do Convênio Confaz nº 100/97, que “Reduz a base de cálculo do ICMS nas saídas dos insumos agropecuários que especifica, e dá outras providências”.
Seguindo pelo texto normativo do convênio, a cláusula primeira estabelece que:
“Cláusula primeira. Fica reduzida em 60% (sessenta por cento) a base de cálculo do ICMS nas saídas interestaduais dos seguintes produtos:
(…)
V – semente genética, semente básica, semente certificada de primeira geração – C1, semente certificada de segunda geração – C2, semente não certificada de primeira geração – S1 e semente não certificada de segunda geração – S2, destinadas à semeadura, desde que produzidas sob controle de entidades certificadoras ou fiscalizadoras, bem como as importadas, atendidas as disposições da Lei nº 10.711, de 05 de agosto de 2003, regulamentada pelo Decreto nº 5.153, de 23 de julho de 2004, e as exigências estabelecidas pelos órgãos do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento ou por outros órgãos e entidades da istração Federal, dos Estados e do Distrito Federal, que mantiverem convênio com aquele Ministério;
(…)
§4º Relativamente ao disposto no inciso V do caput desta cláusula, o benefício não se aplicará se a semente não satisfizer os padrões estabelecidos para o Estado de destino pelo órgão competente, ou, ainda que atenda ao padrão, tenha a semente outro destino que não seja a semeadura.”
Já a cláusula terceira prescreve que:
“Cláusula terceira. Ficam os Estados e o Distrito Federal autorizados a conceder às operações internas com os produtos relacionados nas cláusulas anteriores, redução da base de cálculo ou isenção do ICMS, observadas as respectivas condições para fruição do benefício:
§1° O benefício fiscal concedido às sementes referidas no inciso V da cláusula primeira estende-se à saída interna do campo de produção, desde que:
I – o campo de produção seja inscrito no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento ou em órgão por ele delegado;
II – o destinatário seja beneficiador de sementes inscrito no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento ou em órgão por ele delegado;
III – a produção de cada campo não exceda à quantidade estimada, por ocasião da aprovação de sua inscrição, pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento ou por órgão por ele delegado;
IV – a semente satisfaça o padrão estabelecido pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento;
V – a semente não tenha outro destino que não seja a semeadura”.
Em síntese: (1) – saídas interestaduais: redução de base de cálculo; e (2) – saídas internas: isenção ou redução de base de cálculo.

Sem pretensão de esgotar o assunto, muito menos ingressar nas polêmicas existentes acerca desta legislação, estes seriam os principais aspectos tributários na atualidade voltados à produção de sementes.
3. Como fica a tributação pós-reforma?
Sabemos, entretanto, que houve a aprovação da reforma tributária sobre o consumo (EC 132/2023), regulamentada pela Lei Complementar nº 214/2025, que traz significativas alterações no sistema de tributação, sobretudo, por extinguir o ISS, ICMS e PIS/Cofins, criando dois novos tributos (siameses) IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços).
Diante deste novo cenário jurídico que, em breve, inicia sua vigência, como fica a tributação da produção de sementes?
Seguindo o mesmo racional da legislação atual, temos uma tributação favorecida e diferenciada, especialmente, pelo fato de que o novo sistema não permitirá a concessão de incentivos ou benefícios, salvo o disposto e previsto na própria Constituição.
Neste sentido, houve aprovação do art.igo 9º, § 1º, dos ADCT (EC 132/223), prevendo um regime diferenciado, a ser disciplinado por lei complementar, por meio da redução de 60% da alíquota geral do IBS e CBS para os insumos agropecuários:
“Art. 9º A lei complementar que instituir o imposto de que trata o art. 156-A e a contribuição de que trata o art. 195, V, ambos da Constituição Federal, poderá prever os regimes diferenciados de tributação de que trata este artigo, desde que sejam uniformes em todo o território nacional e sejam realizados os respectivos ajustes nas alíquotas de referência com vistas a reequilibrar a arrecadação da esfera federativa.
§1º A lei complementar definirá as operações beneficiadas com redução de 60% (sessenta por cento) das alíquotas dos tributos de que trata o caput entre as relativas aos seguintes bens e serviços:
(…)
XI – insumos agropecuários e aquícolas;”
Por sua vez, a Lei Complementar nº 214/25, em seu artigo 128, preceitua que: “Art. 128. Desde que observadas as definições e demais disposições deste Capítulo, ficam reduzidas em 60% (sessenta por cento) as alíquotas do IBS e da CBS incidentes sobre operações com: (…) IX – insumos agropecuários e aquícolas”.
Sendo que, na Seção X “Dos Insumos Agropecuários e Aquícolas”, estabelece o artigo 138:
“Art. 138. Ficam reduzidas em 60% (sessenta por cento) as alíquotas do IBS e da CBS incidentes sobre o fornecimento dos insumos agropecuários e aquícolas relacionados no Anexo IX desta Lei Complementar, com a especificação das respectivas classificações da NCM/SH e da NBS.
§1º A redução de alíquotas prevista no caput deste artigo somente se aplica aos produtos de que trata o Anexo IX desta Complementar que, quando exigido, estejam registrados como insumos agropecuários ou aquícolas no órgão competente do Ministério da Agricultura e Pecuária.
§2º Fica diferido o recolhimento do IBS e da CBS incidentes nas seguintes operações com insumos agropecuários e aquícolas de que trata o caput:
I – fornecimento realizado por contribuinte sujeito ao regime regular do IBS e da CBS para:
a) contribuinte sujeito ao regime regular do IBS e da CBS; e
b) produtor rural não contribuinte do IBS e da CBS que utilize os insumos na produção de bem vendido para adquirentes que têm direito à apropriação dos créditos presumidos estabelecidos pelo art. 168 desta Lei Complementar; e
II – importação realizada por:
a) contribuinte sujeito ao regime regular do IBS e da CBS; e
b) produtor rural não contribuinte do IBS e da CBS que utilize os insumos na produção de bem vendido para adquirentes que têm direito à apropriação dos créditos presumidos estabelecidos pelo art. 168 desta Lei Complementar.
§3º O diferimento de que tratam a alínea “b” do inciso I e a alínea “b” do inciso II, ambos do § 2º, somente será aplicado sobre a parcela de insumos utilizada pelo produtor rural não contribuinte do IBS e da CBS na produção de bem vendido para adquirentes que têm direito à apropriação dos créditos presumidos estabelecidos pelo art. 168 desta Lei Complementar.
§4º (VETADO).
§5º Nas hipóteses previstas na alínea “a” do inciso I e na alínea “a” do inciso II, ambas do § 2º deste artigo, o diferimento será encerrado caso:
I – o fornecimento do insumo agropecuário e aquícola, ou do produto deles resultante:
a) não esteja alcançado pelo diferimento; ou
b) seja isento, não tributado, inclusive em razão de suspensão do pagamento, ou sujeito à alíquota zero; ou
II – a operação seja realizada sem emissão do documento fiscal.
§6º O recolhimento do IBS e da CBS relativos ao diferimento será efetuado pelo contribuinte que promover a operação que encerrar a fase do diferimento, ainda que não tributada, na forma prevista nos §§ 7º e 8º deste artigo.
§7º Na hipótese a que se refere a alínea “a” do inciso I do § 5º deste artigo, a incidência do IBS e da CBS observará as regras aplicáveis à operação tributada.
§8º Na hipótese a que se refere a alínea “b” do inciso I do § 5º deste artigo, fica dispensado o recolhimento do IBS e da CBS caso seja permitida a apropriação de crédito, nos termos previstos nos arts. 47 a 56.
§9º Nas hipóteses previstas na alínea “b” do inciso I e na alínea ‘b’ do inciso II, ambos do § 2º deste artigo, o diferimento será encerrado mediante:
I – a redução do valor dos créditos presumidos de IBS e de CBS estabelecidos pelo art. 168, na forma do § 3º do referido artigo; ou
II – (VETADO).
§10. Sem prejuízo da avaliação quinquenal de que trata o Capítulo I do Título III do Livro III desta Lei Complementar, o Ministro de Estado da Fazenda e o Comitê Gestor do IBS, ouvido o Ministério da Agricultura e Pecuária, revisarão, a cada 120 (cento e vinte) dias, por meio de ato conjunto, a lista de que trata o Anexo IX, tão somente para inclusão de insumos de que trata o caput deste artigo que sirvam às mesmas finalidades daquelas já contempladas e de produtos destinados ao uso exclusivo para a fabricação de defensivos agropecuários”.
Já o Anexo IX, expressamente, prevê entre os insumos agropecuários, com redução de alíquota de 60%, as sementes:
“ANEXO IX
INSUMOS AGROPECUÁRIOS E AQUÍCOLAS SUBMETIDOS À REDUÇÃO DE 60% (SESSENTA POR CENTO) DAS ALÍQUOTAS DO IBS E DA CBS
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Capítulos 7, 10 e 12 |
Sem intenção de aprofundar ou ingressar nas polêmicas a respeito do tema que poderão existir, houve, assim, para as sementes descritas no item 10 do Anexo IX, da Lei Complementar nº 214/25 a previsão da redução de 60% na alíquota do IBS e CBS, além do diferimento, como forma de respeitar, em tese, o regime diferenciado e favorecido do setor do agronegócio.
4. Considerações finais
Podemos afirmar, assim, que a produção de sementes, sendo um elo de fundamental importância na cadeia do agronegócio, tem recebido um tratamento diferenciado e favorecido do sistema tributário brasileiro.
[1] Sistema Nacional de Sementes e Mudas – art. 8º da Lei n. 10.711/2003.
[2] Arts. 23 e 24 da Lei n. 10.711/2003.
[3] CALCINI, Fabio Pallaretti. Tributação no Agronegócio: algumas reflexões. Londrina: THOTH, IBDA, CONJUR, 2023. Cf ainda: CALCINI, Fabio Pallaretti. Tributação e Agronegócio: Diretrizes para uma interpretação adequada da legislação “in” Quarta com Tributo. REBOUÇAS, Daniele Fukui. GONÇALVES, Cristiano. TAVARES, Vitor. MALUF, Rafael. Rio de Janeiro: Lumen Juris/OAB/MT, 2024. P. 21-26. Vol. 3.; . /2017-out-20/direito-agronegocio-tributacao-diferenciada-agronegocio-nao-privilegio; /2024-nov-01/reforma-tributaria-e-agronegocio-o-brasil-age-diferente-de-outros-paises/
[4] V. também art. 605 da IN 2121/2022.
[5] Art. 3º, da Lei n. 10.637/2002 e 10.833/2003; art. 17, da Lei n. 11.033/2004 e art. 16, da Lei n. 11.116/2005.
[6] Mesma previsão para o produtor rural pessoa jurídica – art. 25, da Lei n. 8.870/94.
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