Opinião

O exemplo de cidadania de Vitória

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20 de março de 2025, 21h34

Em quase três décadas de carreira como delegado da Polícia Federal, tive a oportunidade de conhecer muitos cidadãos que se dispam a colaborar com os representantes da lei, para nos ajudar a retirar bandidos de circulação e fortalecer a segurança pública. Mas foi como secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro que descobri a verdadeira dimensão da palavra coragem. No dia 9 de maio de 2005, recebi em meu gabinete o jornalista Fábio Gusmão, do jornal Extra, que meu deu conhecimento da saga de Dona Vitória.

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Fiquei impressionado com o destemor daquela senhora, magistralmente renascida no cinema pela inigualável Fernanda Montenegro, que dá vida à corajosa nordestina que virou ícone nacional do exercício da cidadania. Cansada de pedir em vão ajuda ao Estado, contra o qual recorreu judicialmente via Defensoria Pública na busca de uma indenização por danos morais e materiais, Dona Vitória, de 80 anos, comprou uma filmadora e, resoluta, registrou do seu apartamento, no bairro de Copacabana, por dois anos, o movimento do tráfico de drogas na Ladeira dos Tabajaras.

Espantosamente, o ponto de venda ficava a apenas alguns metros de distância da sua janela. O risco era enorme. As imagens, que estarreceriam o país e teriam repercussão internacional com a publicação da reportagem, mostravam, para tristeza e revolta da sociedade, até crianças consumindo cocaína junto com traficantes fortemente armados. As filmagens revelavam ainda a inissível e criminosa conivência de policiais militares com o tráfico.

Imediatamente após receber o jornalista, tomei todas as medidas necessárias para garantir a segurança de Dona Vitória, inclusive o ingresso dela no Programa de Proteção à Testemunha, por intermédio do Ministério Público Federal. Substituí o comandante do Batalhão da Polícia Militar responsável pelo policiamento no bairro e designei um delegado da 12ª DP (Copacabana) para abrir o inquérito, realizar uma investigação rigorosa e pedir à Justiça a prisão dos criminosos. Determinei que a Subsecretaria de Inteligência (SSI) desse e à investigação – mais de 800 horas de escutas telefônicas feitas pela SSI em três meses de investigação identificaram  a relação criminosa entre traficantes e policiais corrompidos.

Spacca

Além disso, acompanhei de perto cada o da investigação e ordenei que nenhuma operação policial ligada ao caso fosse desencadeada na Ladeira dos Tabajaras antes que Dona Vitória tivesse deixado o seu apartamento e estivesse sob a mais absoluta segurança. Reunimos robustas provas que nos garantiram a obtenção junto ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro de 34 mandados de prisão, entre os quais nove policiais militares. Enfim, o desejo de Dona Vitória foi atendido.

Que a sua história, contada em livros por Fábio Gusmão e levada agora às telas de cinema, alcance o maior número possível de brasileiros neste momento de grave crise nacional na área de segurança pública. Que o seu exemplo ensine que se indignar com a criminalidade e cobrar providências das autoridades competentes são um exercício de cidadania indispensável à luta por justiça.

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