O TST e as garantias constitucionais ao estreitar a porta de entrada de recursos
28 de março de 2025, 8h00
O Tribunal Superior do Trabalho, no dia 24 de março de 2025, marcou tomada de posição, em sessão do Tribunal Pleno, para fixar “teses jurídicas em novos temas, em procedimento de reafirmação de sua jurisprudência”. Louvável o esforço de seu presidente, ministro Aloysio Corrêa da Veiga, para que os processos que cheguem ao TST para julgamento contenham, efetivamente, matéria que comporte a aplicação do direito e que não sejam utilizados recursos inconsistentes e com fundamento em debate já superado nas instâncias inferiores e entre as Turmas e a Subseção Especializada em Dissídios Individuais.
O desafio é enorme e corajoso e será objeto de críticas.
É enorme porque não são poucas as matérias levadas a julgamento perante aquela Corte Superior, considerando um país de dimensões continentais, com varas localizadas em todo o território nacional, com 24 Tribunais Regionais, que despejam no Tribunal Superior do Trabalho uma quantidade enorme de processos, cada um desejando ter a sua razão na pretensão.
A questão desafiadora é a de impor limites ao o à instância superior, quando a tradição e o costume pareciam se acomodar no recurso a qualquer custo.
É corajoso, também, porque a magistratura de primeira instância é diversa em todos seus pensamentos, gozando de ampla liberdade no exercício da judicatura. Muitas vezes, pela proximidade com os fatos e com os jurisdicionados, guarda a certeza do convencimento absoluto da verdade do que considera justo. A magistratura de segunda instância também vai simplificando o modo de julgar em nome da celeridade processual.

Quando se observam os temas com reafirmação da jurisprudência, surgem reflexões de todas as formas, algumas que impressionam pelo fato de que ainda se discutam questões já superadas e que os ministros do TST se deitem sobre elas, outras que poderiam ser óbvias e outras que geram dúvidas quanto à correta interpretação do direito.
Entre as que causariam a reflexão da obviedade está a da testemunha que move ação contra o mesmo empregador com pedidos idênticos e da inexistência de suspeição. A análise pelo juízo de instrução da idoneidade do depoimento da testemunha, que se encontra sob juramento e sob compromisso da boa-fé processual, supera qualquer argumento de ordem jurídica. Os casos que envolvem perícia técnica para determinação de pagamento de adicional de periculosidade ou insalubridade deveriam limitar-se à instância de conhecimento.
Risco
Os temas que serão uniformizados seguem a mesma trilha de incansáveis julgados sobre a mesma matéria e exigem do tribunal a uniformização, a fim de que se limitem os recursos sobre questões que já superaram o esgotamento das decisões das Turmas ou da SDI.
Todavia, em alguns casos, a uniformização, por falta de sopesamento das divergências de interpretação da lei, pode correr o risco de violar garantias de direitos individuais asseguradas pela Constituição, consolidando entendimento baseado em rotinas trabalhistas de caráter punitivo.
Faço referência ao caso da seguinte hipótese prevista para uniformização:
“Dispensa por justa causa. Férias proporcionais. Décimo terceiro salário proporcional. Incidência da Súmula nº 171 do TST. Verbas indevidas.”
RR-0020072-95.2023.5.04.0541
Neste caso, o Tribunal Superior do Trabalho está desafiando as garantias constitucionais dispostas no artigo 7º, incisos VIII e XVI, que asseguram aos trabalhadores, de forma incondicional, o direito ao “décimo terceiro salário com base na remuneração integral” e o “gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal”.
Desta feita, no processo em referência, julgado pelo regional da 4ª Região, o voto da desembargadora relatora Maria Silvana Rotta Tedesco enfatiza, fundada em Súmulas 93 e 139 daquele regional, que
“No tocante ao 13º salário proporcional, reputa-se devido mesmo na hipótese de extinção do contrato de trabalho por despedida por justa causa, uma vez que o artigo 7º, inciso VIII, da Constituição da República, conferiu a este direito o ‘status’ de Direito e Garantia Fundamental, na forma do Título II, sem qualquer restrição, não o condicionando à modalidade de cessação da relação empregatícia.
De outro lado, no que tange às férias proporcionais, aplica-se o § 1º do art. 4º da Convenção 132 da OIT, segundo o qual: ‘Toda pessoa que tenha completado, no curso de um ano determinado, um período de serviço de duração inferior ao período necessário à obtenção de direito à totalidade das férias prescritas no artigo 3º acima terá direito, nesse ano, a férias de duração proporcionalmente reduzidas’. Verifica-se, ainda, que também não há ressalvas no inciso XVII do artigo 7º da Constituição Federal, que versa sobre a garantia constitucional de férias anuais remuneradas com, pelo menos, 1/3 a mais do que o salário normal.”
A garantia constitucional quanto pagamento do 13º salário parece não deixar dúvidas quanto à inconsistência do caráter punitivo que se pretende imprimir na rescisão por justa causa de empregado, já punido com a ausência de multa do FGTS e do levantamento dos depósitos efetuados em seu nome pelo empregador.
Em artigo recente publicado nesta coluna, sob o título “Direito Fundamental ao lazer e as férias como direito social”, tivemos a oportunidade de comentar que
“o direito a férias anuais, em algumas legislações, já se distanciou da condição exclusiva de direito decorrente de vínculo de emprego e ou para a condição de benefício de natureza social, como forma de preservar a saúde mental e física de todos.
Neste sentido, não se justifica que o direito a férias, tal como ocorre entre nós, esteja condicionado a número de faltas injustificadas e a perda do direito em caso de justa causa. Ora, se estamos falando de direito fundamental ao descanso, ipso facto, ele não pode estar submetido a situações de perda porquanto se contrapõe à garantia do direito. Nem mesmo a justa causa deveria ser capaz de eliminar o direito a receber o período incompleto de férias porquanto se trata de direito adquirido em função da prestação de serviços que a cada mês de trabalho credita ao empregado 2,5 dias de férias. A regra que pune o empregado não apresenta fundamento jurídico capaz que possa justificar a supressão desse direito.”
André Molina Araújo, em artigo publicado na ConJur, em 22 de março de 2025, embora concorde com a necessidade de racionalização dos precedentes, faz críticas às teses abstratas aprovadas em bloco e que, nas suas palavras “somente acrescentará complexidade, estimulará disputas e potencializará a subjetividade dos intérpretes, gerando o efeito reflexo com aumento do número de reclamações que chegarão à corte, levando à necessidade de revisão das teses ou mesmo ao seu colapso”.
Todavia, se, no conjunto da obra. merece destaque o esforço do Tribunal Superior do Trabalho para reduzir o número de recursos sobre temas já debatidos e consolidados, deve, de outro lado, estender seu olhar para as garantias constitucionais a fim de preservar a vontade do constituinte de 1988.
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